Dedos em movimento, mãos balançando e todo um festival de expressões faciais como forma de substituir as palavras que não podem ser faladas nem ouvidas. Foi dessa maneira que a professora Márcia Fernandes, 36, aprendeu o conhecimento que hoje traz à Universidade Federal Rural do Semi-árido, em Caraúbas. Esta cearense de Fortaleza, formada em Letras com habilitação em Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ficou surda com apenas 2 meses de idade, mas ela nunca se entregou à limitação.
Antes de chegar a Ufersa, em julho, Márcia já tinha ensinado no IFRN, na UERN e por último na UFRN, tudo via contratos. A aprovação no concurso para lecionar no Câmpus de Caraúbas trouxe uma realização profissional sem tamanho para ela. “Eu tinha esse anseio pelo concurso público. Sofri bastante como contratada. Fazia provas e perdia, mas depois que passei, veio a satisfação”, comemora a professora.

Niáscara e Márcia são as duas primeiras professoras de Libras da Ufersa | Crédito: Claros Adams/Assecom/Ufersa
Exemplo de superação semelhante, Niáscara Valesca, 40, também enfrentou vários obstáculos até conseguir entrar no quadro docente da Ufersa. A professora mossoroense ficou surda depois de contrair uma meningite aos 2 anos. Com o esforço da família, ela foi aprendendo a ler os lábios como forma de se inserir no meio social. Mas as dificuldades eram muitas, principalmente pra ingressar na faculdade. “Eu cheguei a fazer 10 vestibulares e sempre era reprovada por conta da redação” relata. O esforço deu resultado e ela conseguiu concluir o curso de Letras-Libras também pela UFSC. Hoje, efetivada na Ufersa, Niáscara ensina e é aluna do mestrado da universidade. A meta é um dia ser doutora pela Universidade de Gallaudet, em Washington D.C., nos Estados Unidos. Uma instituição que é referência mundial para os surdos.
Márcia e Niáscara são as duas primeiras professoras surdas efetivadas pela Ufersa. Ambas foram convocadas para fazer parte do corpo docente do curso de Letras-Libras, o primeiro a ser implantado no interior do país por uma universidade federal. A licenciatura começou a funcionar no semestre passado com uma turma de 20 alunos. Hoje já são 35 universitários cursando e aprendendo a língua dos sinais.
Curso trouxe estudante de Minas Gerais para Caraúbas
Quando soube que a Universidade do Semi-Árido estava disponibilizando o curso de Letras-Libras, Timótheo, de 26 anos, arriscou uma vaga pelo SISU e se deu bem. O jovem, que já tem licenciatura em História, saiu de Caratinga, no leste de Minas Gerais, direto pra Caraúbas. Veio se especializar numa área que só cresce. “Desde os 9 anos que tenho curiosidade pela língua de sinais, mas só aprendi com 18 quando frequentava uma igreja. Com o curso, a pessoa pode escolher onde quer trabalhar isso graças a uma legislação já em vigor que está favorecendo o profissional e os surdos. O mundo das letras-libras é um mercado novo e em plena expansão”, avalia o mineiro que já tem alguns cursos de extensão na área e que pretende lecionar quando terminar o ensino superior. A previsão é que a Ufersa forme sua primeira turma de Letras-Libras no segundo semestre de 2018.
Segundo a coordenadora do curso em Caraúbas, a professora Monaliza Rios, os alunos começaram a estudar a teoria, mas em breve vão contar com aulas práticas. Ao todo, serão 4 laboratórios, sendo 2 específicos direcionados a educação assistiva e a parte multimídia. Todos com obras já em andamento. Um estúdio também deve ser instalado para o desenvolvimento das atividades. O projeto pedagógico da licenciatura ainda prevê a efetivação de mais 6 professores da área em breve e de pelo menos 8 tradutores e intérpretes de língua brasileira de sinais para fortalecer o trabalho dos outros 4 que já estão em atividade nos campus de Mossoró, Angicos e Caraúbas. A expectativa é de que o campus de Pau dos Ferros também receba 2 tradutores e interpretes.
Para Monaliza, a universidade deu um salto significativo na inclusão dos surdos. “Cada vez mais as universidades federais estão cumprindo o seu papel social. Elas não são mais uma elite no país e a Ufersa não foge a essa regra. Uma universidade que só tem 9 anos e um campus com apenas 4 e a gente já ter essas políticas de inclusão, eu acho isso maravilhoso.” A coordenadora também fala da experiência em conviver com as professoras surdas. “As professoras têm me ajudado muito. Hoje em dia eu me arrisco a falar com elas em libras e vou aprendendo cada vez mais. São pessoas que têm muito a contribuir. Pela experiência delas, o campus tem muito a ganhar com esse trabalho em conjunto”, destaca Monaliza.
Curso básico para servidores
No Câmpus Central, em Mossoró, 37 servidores, entre técnicos administrativos e professores, têm a oportunidade de participarem do curso básico de capacitação em Libras. Com 180 horas, o curso está dividido em três módulos de 60 horas. Iniciado no último mês de setembro, o curso irá prosseguir até dezembro de 2015.
As aulas diárias de 50 minutos, curso de Libras é 100% sinalizado com toda a metodologia praticada em sala de aula. “É uma iniciativa pioneira que preza pela qualidade do aprendizado”, afirma o instrutor Ronald Soares Shyu, tradutor e intérprete de Libras da Ufersa Mossoró. Ele lembra que nenhuma língua o aluno aprende num curso de pequena duração. A metodologia empregada pelo instrutor Ronald Shyu é com aulas expositivas e de campo; visitas técnicas; seminários; leitura e discussão de textos; análise de vídeos, e relatórios de filmes.Com o curso, a pessoa pode escolher onde quer trabalhar isso graças a uma legislação já em vigor que está favorecendo o profissional e os surdos. O mundo das letras-libras é um mercado novo e em plena expansão
A proposta do curso básico de libras é habilitar o servidor para a prestação de atendimento básico em língua de sinais brasileira, bem como possibilitar aos servidores conhecerem as principais diferenças das línguas orais-auditivas e vísuo-espaciais, além de compreender diálogos cotidianos em libras e de reconhecer a “cultura surda”.